A carta
Cópia de carta enviada pelo emigrante Carl August Alexander Bürger a um amigo, e publicada no Goerlitzer Tageblatt.
“Colônia Blumenau, 19 de janeiro de 1857
Caro Amigo!
Em primeiro lugar, votos de um feliz ano novo para todos vocês, e que esta carta os encontre gozando de saúde, como acontece com todos nós. Chegamos aqui felizmente bem, apesar de uma longa viagem, mas, infelizmente, tivemos que registrar a perda de um de nossos filhos – o pequeno Heinrich – com idade de quase 4 meses, que Deus chamou a si no dia 23 de agosto do ano passado quando estávamos ancorados em frente à Ilha de Madeira.
No dia 18 de julho embarcamos no porto de Hamburgo no navio FORTUNA do capitão Burgdorf. A tripulação era composta, além do capitão e timoneiro, de 4 marujos e um cozinheiro. Ao todo éramos 53 passageiros, entre eles eu, minha esposa e 5 filhos. A maioria dos passageiros era da Pomerânia e de Mecklenburg.
Até o dia 20 de julho ficamos ancorados diante de Altona devido ao mau tempo, até que a barcaça PILOT nos rebocasse aprox. 3 milhas Rio Elba abaixo, onde, novamente, ficamos por um dia, e no dia 22 chegamos a Stade. No dia seguinte, às 10 horas passamos Cuxhaven, e logo nos vimos separados de toda terra em mar aberto. Às 3 horas vimos, ao longe, a Ilha Helgoland, onde, nas proximidades, fomos surpreendidos por uma tempestade e forte chuva, o que nos fez desviar bastante da rota. Somente às 8 horas da noite conseguimos passa ao largo da ilha. A vista da mesma era muito bonita, o mar estava calmo outra vez, só alguns relâmpagos e o farol clareavam o firmamento, destacando as casas numa beleza indescritível. Aqui começaram a se manifestar os primeiros sintomas de enjoo nos passageiros, mas do qual eu e minha família fomos poupados. Durante o decorrer da viagem os outros passageiros também não sofreram muito.
Nossa alimentação era farta e boa. Pela manhã recebíamos regularmente café, à noite chá e para almoço tínhamos carne de boi 4 dias da semana e nos outros carne de porco om verduras, batatas, ervilhas, feijão, lentilhas, cevadinha, arroz e chucrute. Só variava aos sábados, quando cada passageiro recebia 2 arenques e mingau de arroz, o que logo se tornou o prato preferido de todos.
Sábados também era feita a distribuição de alimentos para a semana seguinte, entre outros, recebíamos 5 pães, 14 “Loth” (+/- 30 g) de manteiga, 8 “Loth” de açúcar, vinagre, sal, etc.
Nosso capitão era grande amigo das crianças, divertia-as à noite com muitas brincadeiras, e às vezes fazíamos música, pois alguns dos passageiros tinham talento musical. Às vezes, com as freqüentes calmarias prolongadas, também pescávamos e pegávamos os chamados “peixes voadores”, que têm espinhos nas nadadeiras, que eles usam como arma para defender-se.
Na manhã bem cedo do dia 2 de agosto chegamos ao canal, de onde avistamos a costa da Inglaterra com seus rochedos de calcário e seus faróis. Chegamos a ver um grande número de navios. Só no dia 4 de agosto perdemos a Inglaterra completamente de vista.
Um tubarão, um verdadeiro monstro com cerca de 90 pés – do tamanho do navio – chamou nossa atenção quando se mostrou bem próximo ao navio.
Com ventos nem sempre favoráveis, chegamos dia 23 de agosto à tarde próximo à Ilha de Madeira, no Oceano Atlântico. Neste dia faleceu, como já mencionei antes, nosso filho mais novo, que no dia seguinte sepultamos no mar.
Do dia 25 de agosto até 3 de setembro tivemos tempo agradável e um vento muito favorável. Neste dia encontramos inúmeros peixes voadores, cujo número em certos dias passava de mil, e alguns voavam até o convés.
Como agora nos aproximávamos da linha (Equador), foram colocados “sacos de vento” (Windbeutel) na 3ª classe para ventilar com os ventos que soprava do mar. Nesta altura encontramos muitos navios. Aproveitávamos para recolher a água das chuvas, que caíam com freqüência. No dia 19 tivemos um tempo bonito e claro, mas fez tanto frio que os passageiros tiveram que agasalhar-se com suas roupas de inverno. À noite desse mesmo dia cruzamos o Equador. Este ato solene foi comemorado no dia 20 pela tripulação com um batizado, como é de costume. O timoneiro representou Netuno, e o marujo mais velho o seu barbeiro. Como o restante dos marinheiros e a maioria do passageiros ainda não tinham cruzado a linha, foram batizados com água salgada. Após a cerimônia, o comandante ofereceu algumas garrafas e vinho e a noite nos trouxe alegria, com música e cantos.
Alguns dias depois encontramos um navio sueco e outro americano, sendo que o último era um veleiro excelente, pois logo nos deixou longe. No dia 30 vimos duas baleias a pouca distância de nós. Durante a viagem vimos pequenos peixes e botos, sendo que os últimos em grande quantidade. Também vimos outro tubarão, mas não tão grande quanto o primeiro, que nos acompanhou por algum tempo.
Após alguns dias de calmaria, em 4 de setembro soprou uma forte brisa, de modo que velejamos a 8-9 milhas por “Wache” (=velada, sentinela).Uma “Wache” corresponde a 4 horas, isto é, o tempo depois do qual os marujos em serviço são substituídos. É a medida de tempo pela qual se calcula tudo a bordo. O vento favorável desta vez durou bastante e foi interrompido somente por uma trovoada e tempestade de pouca duração.
No dia 13, às 9 da manhã, avistei uma débil faixa azul no horizonte, e, um pouco mais tarde, um segundo ponto no horizonte, o qual, com a ajuda do meu pequeno óculo de alcance, identifiquei nitidamente como montanhas. Estávamos todos ocupados em levar água potável ao convés, quando meu grito alegre “terra, terra” ecoou, e, naturalmente, todos largaram os afazeres e olharam para a direção que eu estava apontando. O capitão e o timoneiro escalaram os mastros com seus telescópios, mas concluíram não se trata de terra, e mandaram que continuássemos com o nosso trabalho. Entretanto, no decorrer da viagem, estes pequenos pontos se tornavam cada vez mais nítidos, e não restava dúvida que eu tivera razão, e as montanhas brasileiras se erguiam na nossa frente. Prevendo que logo teríamos água potável de melhor qualidade, naturalmente paramos de carregar água para o tombadilho, e à tarde, por volta das 4 horas, tivemos realmente a alegria de passar por estas montanhas. Ainda menciono que vimos vários albatrozes, grandes pássaros marinhos e uma enorme tartaruga de aprox. 5 a 6 pés de comprimento, que passou rente ao nosso barco.
Adentramos uma milha na Baía de Santa Catarina, e aí lançamos âncora. Era uma noite maravilhosa, e a lua cheia iluminava os morros que se elevavam em ambos os lados, bem como as bonitas casinhas na praia. Na água brilhavam milhares de moluscos. Ao amanhecer esperávamos ansiosamente a chegada do piloto que conduziria nossa embarcação ao porto. Mas não apareceu ninguém. Finalmente, o timoneiro pegou um bote e foi com três marinheiros à terra firme para contratar um. Ancoraram perto do primeiro forte, e lá ficaram sabendo que os pilotos, achando que o comandante não precisava de ajuda, pois não tinha içado a bandeira sinalizando que solicitava um, tinham ido pescar. Assim, em vez do piloto, nossos marujos trouxeram flores de uma beleza sem igual e enormes cactus, cujas inflorescências eram maiores que a altura de um homem. À tarde, enfim, resolvemos entrar no porto de Santa Catarina sem piloto, porém, no meio do caminho ainda fomos surpreendidos por uma forte trovoada e uma chuva que deixou tudo encharcado.
Logo depois que amarramos no porto, uma canoa trouxe as autoridades da inspeção. Os passageiros, sem distinção, tinham que fazer fila no convés, foram examinados e contados. Em seguida o capitão Burgdorf foi com eles à cidade, e logo depois veio o tarifeiro que ali ficou enquanto o navio se encontrava no porto. Nosso capitão voltou à tardinha, e os marinheiros chegaram carregados de boa carne de boi, cabeças enormes de repolho, melões, cebolas, bananas, laranjas etc. que saboreamos com grande prazer.
À noite caiu uma violenta tempestade, e só podíamos agradecer a Deus por nos encontrarmos no porto. O capitão não conseguiu subir a bordo à noite, e nos vimos obrigados a lançar a segunda âncora para segurar o nosso navio. Quando, no dia 16, os marujos foram à cidade fazer compras de alimentos frescos, não puderam regressar a bordo do FORTUNA devido à tempestade, e tiveram que regressar. Ao anoitecer, quando a tempestade parecia ter amainado, tentaram aproximar-se novamente do navio junto com o capitão, mas a tempestade se tornou mais violenta, levando o bote com a tripulação para longe do FORTUNA. O capitão deu ordens para que desamarrassem o bote grande do navio para ir em socorro deles. Depois disso feito com a maior rapidez possível, amarrou-se um cabo grande a ele e o bote foi solto para ir ao encontro deles. Felizmente a tripulação ainda alcançou o bote a tempo, pois o risco do bote, onde se encontrava o capitão e a tripulação, afundar aumentava a cada momento.
No dia seguinte o encarregado da alfândega veio a bordo e, depois de termos todos nossos pertences revistados, pudemos desembarcar. Em terra fiquei sabendo que o serralheiro Pinger, de Görlitz, havia se estabelecido em Santa Catarina. Ernst Meyer e eu o procuramos em sua nova moradia, e durante nossa breve estadia o ajudamos na instalação de uma oficina sua. Nosso patrício encontra muito trabalho e é bem pago. Pinger e a esposa dele nos mostraram a cidade, e ficamos admirados com os belos jardins enfeitados com rosas e outras flores, e também com cactus.
Pinger preparou-nos uma grande surpresa ao nos levar a um jardim, onde encontramos um terceiro Görlitzer – o cervejeiro Tobias – que, em companhia de um cervejeiro de Landshut, na Silésia, instalaram aqui uma cervejaria, muito procurada.
Ao desembarcar, as mulheres e filhos dos passageiros ficaram entretidos em admirar a diversidade de raças aqui representadas – do mais alvo branco, ao mais belo negro cor de ébano, e todos bem vestidos.
Depois de uma permanência de 3 dias em Santa Catarina, um navio de guerra nos levou até a Barra do Itajaí, um percurso que demorou 18 horas. Geralmente sobe-se logo todo o Itajaí até Blumenau, mas o nosso navio não havia carregado carvão suficiente, de modo que pegamos um barco costeiro que nos levou em 4 dias (27 de setembro à noite) para Blumenau – o fim de nossa viagem e nova pátria.
A embarcação era muito pequena, e não foi possível cozinhar, por isto fez-se necessário que todo meio-dia e à noite fôssemos à terra firme para preparar nossa comida e procurar um abrigo para passar a noite com um dos moradores. Fomos recebidos pelos brasileiros com muita hospitalidade, e só lamentamos não entender sua língua para agradecer-lhes. Os negros, que na maioria das vezes só são escravos ainda no papel, traziam bananas e flores enviados pelos seus donos. Eles gostavam principalmente das crianças, e procuravam saber seus nomes, sendo que o da minha filha Marie, lhes era o mais compreensível, provavelmente, por causa da Virgem Maria, que, como católicos, conheciam bem.
Em Santa Catarina vi negros muito elegantes, com relógios de ouro, com negras com os mais belos vestidos de seda. A maioria goza de plena liberdade pessoal, precisando comparecer perante seus donos somente todas as noites para entregar uma certa importância em dinheiro a eles, uma porcentagem do que haviam ganho dos brasileiros, que são pouco dados ao trabalho.
Não tivemos que pagar mais nada pela alimentação nos barcos de Santa Catarina até aqui. Meyer ficou por lá mesmo. Nossa bagagem toda chegou bem aqui junto conosco, e ficaram no início em Blumenau, no centro da cidade, enquanto eu me dirigi em 29 de setembro para a colônia, a fim de informar-me sobre as condições ali. Reconheci logo a vantagem de me estabelecer ali, e comprei terras. A terra ali era melhor que aquela em volta da cidade, a localização mais bonita, melhor protegida de enchentes, e também bem mais barata. Um grupo de 4 compramos juntos 118 “Morgen” (+/- 300.000 m2), dos quais um certo Busch, de Dassau perto de Stettin, ficou com 100 (+/- 255.000 m2), Krause, também de lá, ficou com 6 (aprox. 15.000 m2), e Lindner e eu também com 6 “Morgen” cada. Pagamos 3 mil réis pelo “Morgen”, – o mil réis 23Sgr – o que corresponde a 2 1/2 “Thaler” da Prússia.
Dos seis “Morgen” adquiridos, derrubei três de mata, o que foi um trabalho exaustivo para mim, mas espero que compense. Na pátria eu provavelmente nunca teria possuído 6 “Morgen” de terra. Tributos só preciso pagar uma vez, e nunca mais, e estes não passam de aprox. 2 1/2 “Thaler”, mais ou menos o preço de um papel de carta, no qual estou escrevendo. Por falar nisso, o papel aqui é muito caro, e às vezes difícil de conseguir por este dinheiro.
A madeira cortada, deixo secar, depois acendo uma fogueira, e o que não queima, apodrece. Logo após à queimada, o terreno é limpo, escolhe-se o lugar onde ficará a casa, e inicia-se com o plantio para podermos tirar nosso sustento. Para a construção da casa, entretanto, necessito de ajuda, pois não consigo construí-la sozinho. Como já auxiliei um vizinho de Nordhausen na construção da dele, ele me ajudará e poderei pernoitar na casa dele, em vez de ter que ir todas as noites para uma dessas casas de abrigo, que ficam a uma hora de distância da cidade. Por enquanto existem duas destas casas de abrigo. São construções compridas de um só pavimento, que deverão ser aumentadas em breve. As casas aqui se assemelham às casas de veraneio alemãs, e são construídas de palmeiras, mas eu pretendo construir uma mais sólida. O restante dos meus 3 “Morgen” deixarei intocados, até que a primeira parte apresente renda.
Na colônia se encontram muitas pessoas simpáticas e prestativas, o que na verdade é necessário pois muitas vezes um depende do outro. Foi assim que ajudei meu vizinho Busch a derrubar a mata, e le me ajudará quando eu precisar. A meu ver, aqui há muito o que fazer, e eu também já ganhei meu primeiro dinheiro.Quando vou trabalhar, ganho sempre com 4 patacas (que correspondem a 1 Thaler e 2 Silbergroschen) e comida (três vezes ao dia). Só lamento que não trouxe mais ferramentas, pois são difíceis de conseguir aqui e muito caras.
Os brasileiros fazem um luxo incrível. A roupa custa 1 Conto ou mil réis, os enfeites das selas são de prata, bem como os dos chicotes que custam 80 Thaler. Esporas com rodas do tamanho de moedas de 2 Thaler. Tudo isto é muito comum.Os freios dos cavalos raramente são de couro, mas são feitos de correntes de prata, e as peças necessariamente de couro, como as rédeas, são recobertas de prata de modo que não se vê o couro.
No que diz a Blumenau, esta foi fundada há anos pelo Dr. Blumenau e consiste do centro (Stadtplatz) da cidade, e da colônia que já alcança uma área de 1 hora de distância, e onde os proprietários moram lado a lado. Blumenau está localizada num belo vale às margens do rio Garcia, e os primeiros colonos chegaram há cerca de quatro anos, tendo recebido adiantamento (*Nota: se ele menciona isto, significa que ele deve ter pago as suas despesas de viagem e da sua família, portanto deveria ter tido mais posses na Alemanha, e pela carta, mais instrução também). Agora já possuem engenhos de mandioca e açúcar que valem 3—400 mil réis cada. A colônia é pobre em dinheiro já que a produção de alimentos ainda não cobre o consumo, pois chegam muitos colonos novos que precisam primeiro cultivar sua terra, antes de poderem plantar. Feijão e carne ainda são insuficientes, mas esta situação vai melhorar, já que a farinha e o açúcar estão sendo enviados a outros lugares para serem vendidos.
Não faltam frutas como laranjas, melancias, pêssegos, abacaxis e mamão, e prepara-se muitas coisas com as mesmas. A mim e a meus filhos agrada muito estar aqui e não temos saudades de Görlitz. Mas minha esposa ainda não se acostumou – tudo é tão diferente da Alemanha! Mas a simpatia dela pela nova pátria vai aumentar, logo que tiver sua própria casa e puder lidar nela e aproveitar as próprias frutas colhidas. Aconteceu os mesmo com as mulheres dos outros colonos.
O primeiro ano da minha estada aqui deverá ser bastante duro, mas espero conseguir ter meu próprio cavalo e minha vaca no devido tempo, que facilitam muito a vida de um colono. Não se perde muito tempo com a alimentação do gado. Basta soltá-lo no pasto. Mas comprar um cavalo é caro. Custa mais ou menos 30-40 mil réis e uma vaca 60-70 mil réis, mas vale a pena. Aqui encontramos as mesmas raças de animais que na Alemanha, inclusive cães e gatos.
A cidade de Blumenau possui uma farmácia que está nas mãos do Dr. Blumenau. Além disso tem dois comerciantes, um dono de hospedaria, um ferreiro, um serralheiro, um tanoeiro, dois marceneiros, dois construtores de máquinas, dois carpinteiros, um agrimensor, alguns alfaiates e sapateiros e um seleiro. Estes últimos moram muito distantes um do outro (*Nota: fato do que Alexander se aproveitou para se instalar como seleiro e sapateiro). Ainda existem aqui um moinho e serraria e ainda uma olaria onde quase nunca se consegue tijolos apesar da grande procura.
Há pouco tempo chegaram mais quatro navios de imigrantes e aguarda-se mais outro dentro de poucos dias. Animem-se e venham com entusiasmo. Aqui há lugar para milhares – milhões – de pessoas! Mas aconselhamos a todos que queiram seguir nosso exemplo: devem ser jovens e fortes. Se pessoas de mais idade não tiverem parentes aqui que lhe dêem apoio, vai ser difícil.
No último navio vieram, novamente, Görlitzer: uma viúva Görner e os dois irmãos Zündler, dos quais o mais novo me surpreendeu quase matando-se de trabalhar para derrubar a última árvore grande no meu pedaço de terra.
Além dos três acima citados, não tem mais ninguém de Görlitz aqui. Ainda não tive notícias dos Dick, Grahl, Konrad e Steinbach, nem dos Höhne, cujas coisas eu trouxe para eles e que por enquanto vou manter aqui comigo, pois ainda espero descobrir onde estão.
Nossa alimentação consiste basicamente de feijão preto e carne seca (Karnesek), de manhã tomamos café e à noite chá. O café e o açúcar são puros ao contrário do lá de casa, onde estávamos acostumados a tomar chicória, que eles chamavam café. Quando caço alguma coisa, a carne com arroz, milho e ervilhas representam uma variação bem-vinda. A espingarda é fiel companheiro do colono – quase como a bengala do alemão – es se mostra muito útil para abater animais selvagens e aves. Só me arrependo de não ter trazido mais pólvora e chumbinho. Os pássaros têm uma plumagem muito linda e “Schakatins” (jacutingas?), uma espécie de peru selvagem,e pombos selvagens são muito visados para caça.Os animais silvestres mais freqüentes, geralmente caçados e pegos em armadilhas, são as lebres, veados, gazelas, porcos do mato e antas, estas últimas às vezes atingem o tamanho de um boi. Agora que temos verão, ao contrário de vocês, não há muita caça, mas espero conseguir o bastante no próximo inverno para não precisar comprar.
Menciono aqui os ofícios que têm mais futuro aqui: operários que trabalham com madeira, como carpinteiros, marceneiros e tanoeiros, que ganham muito bem. Também os operários que trabalham na forja, como ferreiros e serralheiros. Não existe nenhum ceramista, que faz muita falta. Um bom mestre oleiro também faria fortuna aqui, mas ele teria que trazer alguns operários competentes. Lenha não custa nada e no Itajaí encontramos o melhor barro para tijolos. O milheiro de tijolos é entregue a 40 mil réis. O homem que Dr. Blumenau colocou na olaria existente, infelizmente, não entende nada do negócio (um pedreiro alemão). Ele queria contratar Lindner quando soube que este era oleiro e ofereceu um bom salário, mas Lindner recusou a oferta. Alguém que montasse uma serraria a que teria todo o apoio do Dr. Blumenau. Logo atrás dos terrenos do Lindner encontram-se cerca de 400 “Morgen” da melhor madeira e também excelente força hidráulica. Além disso, o empreendedor teria o direito de colher árvores do vizinho em troca de uma em cada 12 tábuas como pagamento. Gostaria que todos os mestres marceneiros do “Görlitzer Möbelmagazin der verinigten Tischlermeister” (Loja de Móveis dos Mestres Marceneiros Reunidos de Görlitz) nos visitassem e levassem como lembrança um carregamento de madeiras das mais belas e resistentes do meu terreno , das quais dizem que existem perto de 300 espécies diferentes.
A falta de sapateiros em Santa Catarina deve ser grande. No nosso desembarque perguntaram-nos se não havia nenhum sapateiro entre nós que quisesse ficar como chefe de oficina e mandar vir aprendizes da Alemanha. Foi-lhes oferecido dinheiro adiantado, com a condição que ficasse lá. Como fiquei sabendo, um aprendiz lá ganha 2 mil réis pela confecção de um para de sapatos leves femininos.
A todos que tiverem vontade de seguir meu exemplo e emigrar para cá, aconselho trazer um terno quente, nem que seja pouco elegante e fora de moda, para usar no navio. Além disso, mandem fazer as vasilhas a serem usados na viagem de folha de flandres da mais resistente. Serão necessários um caneco com capacidade de aprox. 250 ml, vasilha e chaleira para cozinhar, uma garrafa para água potável, um açucareiro, uma manteigueira e – um penico com tampa. Além do mais: faca, garfo e colher e alguns vidros resistentes para vinagre etc. Aqueles que tiverem meios, que adquiram em Hamburgo algumas garrafas de bom vinho. Antes da viagem também é indicado abastecer-se com frutas bem secas, como ameixas, maçãs e peras, além de pão no valor de 15 “Silbergroschen”, cortado em fatias grossas e torrado novamente. Os homens deveriam trazer ainda uma boa espingarda de cano duplo com bastante munição.
A todos que têm como objetivo imigrar para a nossa colônia, posso indicar os Senhores Wilhelm Hühn em Hamburg e Fröbel em Rudolfstadt de boa consciência.
A todos os amigos aí na pátria muitas lembranças, também da minha família.
Assinado: Alexander Bürger
Seleiro e colono.”
Essa carta vem publicada na página 13 do “Jahresbericht ueber dir Ereignisse und Fortschritte der Deutschen Kolonie Blumenau im Jahre 1856”. Vide cópia digitalizada abaixo:
Jahresbericht über die Ereignisse und Fortschritte der deutschen Kolonie Blumenau im Jahre 1856 von Dr. Hermann Blumenau. (Relatório anual sobre os eventos e o progresso da colônia alemã de Blumenau em 1856 do Dr. Hermann Blumenau)
Dados vitais – Carl August Alexander Bürger
Data de nascimento: | 03 Novembro 1817 |
Local de nascimento: | Görlitz, Dresden, Saxony, Germany |
Falecimento: | 10 Janeiro 1899 (81) Indaial, Santa Catarina, Brasil |
Local de enterro: | Indaial, Santa Catarina, Brasil Cemitério Luterano Encano do Norte |
Família imediata: | Marido de Ernestine Friederike Louise Bürger. Pai de Alexander Bruno Bürger; Anne Marie Elisabeth Prochnow; Ernst Friedrich Julius Bürger; Heinrich Gustav Franz Bürger; Heinrich Reinhold Gustav Adolf Bürger |
A emigração
Embarcou com sua família, esposa e 4 filhos para Blumenau/SC, no navio “Fortuna”, em 18 de julho de 1856, em Hamburgo (Altona). Ventos contrários retiveram o veleiro nesse porto até dia 20, quando desceu o Elba. Só se fez ao oceano no dia 24 de julho. No dia 23 de Agosto de 1856 o navio defrontava a Ilha da Madeira, nesse período morreu o filho menor de Alexandre, Henrique de apenas 4 meses. O navio aportou dia 13 de Setembro em Desterro. Depois de 3 dias de permanecia na capital da província, seguiu a família em um vapor para a Barra do Rio Itajaí, subiram esse rio e chegaram à Colônia Blumenau a 27 de Setembro, à noite. No dia 19 de Janeiro de 1857, escreveu a seus amigos uma carta de Blumenau em que conta às peripécias de sua viagem e dos seus primeiros dias de colono em Blumenau.
Na relação dos moradores da Colônia Blumenau de 1872, Alexander BÜRGER figura como morador da margem direita do Garcia e sua família constava 9 pessoas (7 filhos).
Fotos
Conclusões
Por este texto desta carta, vimos que a vida que tiveram muitos de nossos antepassados não foi fácil. Imagine sair da Alemanha vindo para um lugar totalmente desconhecido. De idioma diferente. Tendo que investir as poucas economias em algo que não sabiam se daria certo. E literalmente abrir a mata para construir a casa, plantar e caçar para sua sobrevivência.
Você teria essa coragem?
Como terá sido a vida dos antepassados de sua família?
Fontes de pesquisa
geni.com
Blog do Adalberto Day
Genealogy.com
Ibero-Amerikanisches Institut
worldcat.org
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